Perfeição

Perfeito é uma palavra latina e significa “feito por completo, sem faltar nada”. Mas eu adoro brincar com a cognação e sempre digo que perfeito é aquilo que é “feito para”. Gosto mais da minha interpretação, afinal o que é perfeição para uns é irrelevante para outros.

Irrelevante, algo que algumas pessoas conseguem ser para quase todo mundo, menos para você que a ajudou a entender o que essa e outras palavras significam. Olhamos para o espaço e nos sentimos poeira. Mas aquela partícula de gente consegue fazer com que você perca um pouco dos 70% de água que tem no corpo. Ainda assim, eu acho perfeita.

Como quando pega o jornal para ler de manhã. Eu não sei se está lendo notícias relevantes, fofoca dos artistas, horóscopo ou o resumo das novelas. Não importa, o interessante aqui para mim é a concentração, o torcer dos lábios que eu apenas posso fechar os olhos para ver. Eu pediria a página das cruzadinhas e tirinhas e assim compartilharíamos idealmente o periódico.

Vivemos no limiar da modernidade, não nos atrevemos a aceitar tudo o que se impõe sem querer ter um pouquinho de século XIX, as vezes com a inocência e malícia desse. Sabe fazer do monótono divertido. Não mede o tempo. É egoísta, mas merece ser. Somos quadrados como nossas mães, espelhos da nossa personalidade. E não pára por aí.

Errantes como quem não tem compromisso com a culpa, meio malucos, meio bobos sem motivos, meio tristes sem motivos e um monte de motivos para sermos tudo o que nos negamos a ser. Mostramos querer mais do que realmente precisamos para ser felizes, talvez na esperança de que o destino nos ouça e nos premie com uma sorte mais bonita.

Sintonizados ao ponto de trocar mensagens ao mesmo tempo às 6:08 da manhã sem combinar, sonhar com as mesmas coisas, ouvir as mesmas músicas, xingar as mesmas pessoas. Chateados, nos calamos. Não fugimos de uma boa briga, mas evitamos entrar nela. Mas nem tudo é perfeito, no sentido original.

Porque também somos muito diferentes. Amo café, ela odeia. Ama pamonha, eu não ligo. Mas acho lindo ela contar as moedinhas para comprar a felicidade efêmera feita de milho. Quer ser vista, quero ser invisível. Quer tumulto, quero paz. Quer dinheiro, eu também, em proporções diferentes de importância. Valorizamos os amigos, mas eu não me importo com os problemas triviais deles. Sua resposta para os problemas sérios é que “vai passar”.

Tão iguais e tão diferentes que as vezes eu tenho dúvida sobre com quem estou falando. As vezes odeio a igual e amo a diferente, as vezes é ao contrário. E eu só tenho certeza de que ela foi feita para mim e continua se perfazendo itera-e-incrementalmente. As semelhanças e distâncias parecem formar de nós a silhueta caprichosa de duas peças de quebra-cabeças. Ela é tão perfeita que se encaixa certinho no meu estranho gosto de me apaixonar por quem não está nem aí para mim.

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