Ateísmo “crente”

The fundamental cause of trouble in the world today is that the stupid are cocksure while the intelligent are full of doubt” (A principal causa dos problemas no mundo na atualidade é que os estúpidos tem muita certeza, enquanto os inteligentes estão cheios de dúvidas).

A citação é do livro de 1929, O casamento e a moral, de Bertrand Russel, no capítulo sobre a Ética Cristã. É difícil, para livres pensadores, não associar esta frase aos, fanáticos ou não, religiosos. Volta e meia, nos deparamos com uma discussão tola em que nossa falta de resposta parece dar a vitória a quem está certo do que acredita.

O ateísmo ou a ausência de religião parece estar crescendo no mundo todo, inclusive no Brasil. Mas aqui esse crescimento tem características únicas. O tema aparece constantemente nas redes sociais e provoca discussões apaixonadas e, normalmente, ilógicas. Mais parece uma briga de torcedores de futebol.

É inevitável creditar essa tendência à pobreza da educação no país, que claramente não ajuda a desenvolver o senso crítico. Além disso, as igrejas-negócio tem um papel fundamental. Elas escancaram o esquema e qualquer um com um mínimo de inteligência sabe que estas não tem o propósito da fé. Esta visão acaba sendo estendida à todas as religiões pelo novo descrente.

Via de regra, as pessoas são religiosas por herança cultural. Ser ateu, até bem pouco tempo, era fruto de um logo exercício de autoconhecimento, normalmente. Não existem escolas ateístas – não confundir com ensino laico – e não é muito comum ateus tentando converter religiosos. Isto vem mudando com a Internet.

Seja pelo enfraquecimento da tradição religiosa de outrora, ou por algum trauma com igrejas, as pessoas, geralmente jovens e adolescentes, estão tendo contato com a informação ateísta e a estão assimilando, de maneira simples e sem muitos questionamentos. Dessa forma, o ateísmo tem ganhado força de oposição às religiões, principalmente ao cristianismo.

Costumo chamar esse fenômeno de “ateísmo crente”, porque tem os mesmos mecanismos dos religiosos em geral, baseado exclusivamente na sua “fé” de que nenhum deus existe, acreditando cegamente nisto e tentando convencer ao próximo de que este é o único caminho que deve ser seguido.

Para o ateu clássico, este movimento não é agradável. Embora seja bom ver menos cidadãos seguindo religiões e deixando de patrocinar um dos principais meios de manipular massas, as igrejas, eles não estão livres de outros enganos e meios de alienação – política, por exemplo. Assim, o “ser ateu” não lhes está agregando muito valor. Em contrapartida, a imagem dos ateístas pensadores ficam mesclada à imagem do “ateísmo crente” ou, como muita gente prefere dizer, “ateísmo modinha”.

Existem crentes cheios de dúvidas, provavelmente a maioria dos ateus e outros que nunca chegarão ao ceticismo, mas que não aceitam a imposição de verdades por líderes religiosos. Da mesma forma, começa a existir um sem número de pessoas que se autodenominam ateístas ou agnósticas e reproduzem todo o tipo de “verdade”, desde que a mesma fira alguma religião ou autoafirme sua não necessidade dela. Apesar de encontrarmos muita gente em fase de desenvolvimento de sua consciência nos redutos ateístas populares da Internet, é nítido que a grande maioria está bastante longe de poder ser considerada “livre pensadora”. Portanto, a frase de Russell, comumente associada à cristãos, muito provavelmente continuaria pertinente num estado de maioria ateu. E os problemas do mundo continuarão por muitas atualidades.

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