Contrato

Era uma vez um casal que se conheceu havia poucas semanas e estavam encantados um pelo outro.

– Você é tão maravilhosa!
– Você que é!
– Quer me namorar?
– Porque eu deveria?
– Porque te amo, muito!
– Eu também te amo, mas até quando?
– Não sei.
– Isso me dá medo…
– Não tenha medo, não quero fazer nada para te machucar.
– Mas e quando acabar o amor?
– Eu te digo ou você me diz e terminamos.
– Parece uma boa ideia…
– Claro que é, a gente se dá tão bem!
– Pois é, então, somos namorados?
– Sim! O que você acha de seis meses?
– Seis meses me parece ótimo, posso ser fiel por seis meses!
– Eu também e, daqui seis meses decidimos se podemos ser fiéis por mais um ciclo de seis.
– E podemos ver se as coisas ruins ainda importam menos do que as boas!
– E se o sexo continua tão bom e suficiente.
– Então, temos um contrato! Vem cá, vamos selar isso.


– Minha linda, tem alguma dúvida?
– Bem… O que você pensa sobre ter filhos?
– Podemos falar disso daqui uns 3 ou 4 ciclos?
– Tá bom. Vamos ver um filme?
– Vamos!

Alguns meses depois, moravam juntos. Falaram sobre filhos na segunda renovação de contrato, tiveram um na sétima. Na nona, decidiram apimentar a relação com terceiros. Nunca se casaram. Viveram felizes juntos por 12 anos e meio.

Amar ou depender?

Encontrei várias versões desse conto em espanhol, não estou certo se é a versão oficial. Reproduzirei a tradução de uma delas, já que me pareceu uma ótima reflexão.

Contam que uma bela princesa estava procurando alguém para casar. Aristocratas e senhores ricos tinham vindo de todas as partes para oferecer seus presentes maravilhosos. Jóias, terras, exércitos e tronos faziam parte das propostas para conquistar aquela criatura especial.

Entre os candidatos, um jovem plebeu que não tinha mais riqueza do que seu amor e perseverança. Quando chegou a hora de falar, disse: “princesa, eu vos amei a minha vida toda. Como eu sou um homem pobre e eu tenho que lhe dar tesouros, eu ofereço o meu sacrifício, como prova de amor… Ficarei cem dias sentado sob sua janela, sem mais alimentos que a chuva e nenhuma roupa além da que eu estou vestindo… Esse é o meu dote…”. A princesa, comovida por esse gesto de amor, decidiu aceitar: “Você vai ter sua chance, se passar no teste irá desposar-me”.

Assim se passaram as horas e os dias. O pretendente estava sentado, suportando os ventos, neve e noites congelantes. Sem piscar, olhando fixamente para a varanda de sua amada, o corajoso mancebo se manteve firme em seu empenho sem falhar. Ocasionalmente, a cortina da janela real permitia vislumbrar a figura esbelta da princesa, que, com um gesto nobre e um sorriso, aprovava a tarefa. Tudo estava indo de maravilhas. Até mesmo alguns otimistas haviam começado a planejar as festividades.

Quando chegou o dia 99, os moradores da área tinha vindo a incentivar o futuro monarca. Tudo era festa e alegria, até que de repente, quando faltava pouco tempo para o fim do prazo, para o espanto do público e perplexidade da princesa, o rapaz se levantou e sem explicação, moveu-se lentamente para longe do lugar. Algumas semanas mais tarde, enquanto caminhava por uma estrada, solitário, uma criança da região o alcançou e perguntou a queima-roupa: “O que aconteceu? Você estava a um passo de alcançar a meta!  Por que você perdeu essa oportunidade? Por que você se retirou?”

Com profunda consternação e algumas lágrimas mal disfarçadas, disse em voz baixa: “Ela não me poupou um dia de sofrimento… Nem mesmo uma hora… Ela não merecia o meu amor…”.

Amar ou depender? O merecimento nem sempre é vaidade, mas dignidade. Quando damos o melhor de nós para outra pessoa, quando decidimos partilhar a nossa vida, quando abrimos todo o nosso coração e desnudamos cada centímetro da alma, quando perdemos a vergonha, quando os segredos deixam de ser, pelo menos necessitamos compreensão. Menosprezar, ignorar ou desconhecer friamente o amor que damos de mãos cheias é falta de consideração ou, no melhor dos casos, leviandade.

Quando amamos alguém que, além de não retribuir, despreza nosso amor e nos fere, estamos no lugar errado. Essa pessoa não é digna de nossa afeição. Uma coisa é certa: se você não se sentir bem em algum lugar, junte suas coisas e saia. Ninguém ficará tentando agradar e se desculpando por não ser como queremos. Não tem volta.

Em qualquer relacionamento que tenhas, não te merece quem não te ame, muito menos quem te feriu.

Jorge Bucay

Soneto da tarde

Linda sereia morena
Que todas as tardes se banha
Nas águas do mar, logo se assanha
Quando me vê e acena

De longe contemplo bem
A bela sereia nua
Que com toda lábia sua
Me faz ao mar refém

Não resisto, vou em frente
Hesita e me fisga, resolve
Tal qual peixe em anzol

Me usa e de repente
No fim da tarde me devolve
Antes do pôr-do-sol

Soneto do pé de acerola

Oh! Árvore ingrata
Da qual cuidei com carinho
Curei todos seus males
E me feres com espinho

Quando te espero resposta
Seus frutos para meu vinho
Só tenho folhas no chão
Pé egoísta e mesquinho

Cortar-te-ei todos teus galhos
Secar, irei deixá-los
Para fogo eu atear

É isso mesmo, mulher, que farei
Para não mais prometer
Pomos e depois não os dar

 

Quem sabe um dia

Odeio essa sua mania de desaparecer assim da minha vida e ficar semanas e semanas sem dar notícias. Eu fico aqui sem saber onde está, se está bem, se algo de grave aconteceu ou se algo de muito bom se realizou. Não responde os meus e-mails e quebra o chip do celular só pra ninguém te encontrar. Muda de vida em pouco tempo e quando volta, volta cheio de histórias pra contar. Vive um novo personagem a cada dia de sua vida, a cada dia que for preciso. O que você sempre esquece é que comigo não precisa! Não precisa nenhum personagem pra esconder quem você é, não precisa esconder a sua vida achando que eu vou ter 49.754.899 facas nas minhas mãos para te julgar. Eu nunca vou fazer isso com você. E o pior que seja pra você viver essa vida, você vive. Eu não deveria acreditar em nada do que você fala, mas lá no fundo eu ainda acredito que você consegue ser sincero, pelo menos uma vez. Não sei se é me iludir demais mas quem sabe um dia você consegue deixar eu cuidar de você sem se preocupar com o mundo. Quem sabe um dia, quem sabe…

Clara Lisboa Furtado

Anjos, existem

Cada indivíduo é 7 bilhões de pessoas ao mesmo tempo. Para cada um no mundo, somos uma instância de nós mesmos: colega da escola, companheiro de time, amado, amigo, rival, chato, simpático, fofoqueiro, confiável, feio, bonito, desconhecido. Há exatos 17 anos, nascia quem seria para mim, hoje, um anjo.

Quando a sorte pausou em me sorrir, foram seus dentinhos que iluminaram o meu caminho. Me ajudou a ver, de maneira única, que sempre pode haver uma nova fornada com pizzas ainda mais saborosas. Me ouviu com uma paciência nem tão grande assim, mas na medida certa para eu aprender a parar de falar.

Um anjo disfarçado de patricinha, que não voa, mas nada e luta. E me ganha raras vezes na batalha naval. Cheia de caráter, e do bom, autoconfiança e autocrítica. Que junta seu tempo ao meu sem segundas intenções. E as primeiras são rir, compartilhar, passar o tempo com alguém especial.

Você sabe, como eu, que o nosso pra sempre é muito fugaz. O encanto passa, a sintonia acaba, os estados mudam, as distâncias mudam. É por saber onde pisa que eu confio nos teus passos. Obrigado por me guiar, anjo. Feliz aniversário, minha bela amiga, minha principessa e patinha!

*Esse texto espera substituir completamente qualquer presente material.

Primeiro do ano

– Oi, obrigada por aceitar minha solicitação de amizade!
– Oi, primeira solicitação de amizade do ano ^_^
– Que bom! Tudo bem?
– Sim, e você?
– Bem.
– Engraçado, é a primeira vez no ano que querem saber se estou bem…
– Ah, para mim também – risos.
– Ah, primeira coincidência do ano!
– =)
– Primeira carinha feliz do ano.
– =S
– Primeira carinha confusa do ano.
– Liga a cam? Já sei, primeira do ano.
– Ligo, e sim, é a primeira, como adivinhou?
– Sou vidente!
– Primeira previsão do ano.
– É… você é bonito!
– Primeiro elogio do ano.
– Você me vê?
– Sim, muito feia.
– Nossa, que sincero…
– Não, essa foi a primeira mentira do ano!
– Ah, claro… Bem, vou ter que ir almoçar.
– Primeiro almoço do ano!
– Até logo!
– Primeira despedida do ano!
– Cara, pára com isso!
– Primeiro uso do verbo parar no tempo imperativo do ano.
– Vou te excluir!
– Primeira ameaça do ano!
– Tchau, seu estúpido.
– Primeira ofensa do ano…
*A mensagem não pode ser entregue*

Nenhuma última carta

Algumas pessoas são orgulhosas. Eu sou só antissocial mesmo. Juntando isso à minha obsessividade de deixar tudo em pratos limpos, portas fechadas, ferro de passar desligado e por aí vai, escrever cartas é uma ótima solução. Vivo um dilema de uma opção só, onde o que angustia é a consciência da ilusão de haver outra. A necessidade de esclarecer algumas coisas é razoável, a vontade é pequena, a utilidade é duvidosa.

Quando penso em pessoas e seus comportamentos não consigo dissociá-los de biologia e evolução. É uma verdade dura, que machuca. Escolhi viver assim, entretanto. E sei que a rejeição é natural, não é uma escolha. Como um corpo que não aceita o órgão alienígena, alguém não consegue te aceitar simplesmente porque sua natureza não lhe permite. Isso também acontece comigo. Qualquer coisa dita ou explicada seria um remédio de célere efeito.

Sei que muitas pontas ficaram soltas e isso só pode gerar alguma mágoa sobre fatos falsos. Mas é só um pouco mais. E daqui há 15 anos não entenderemos como pudemos ser tão mesquinhos, sem pensar em todo o processo de cicatrização. O desolador é entender que, ainda que não tenham te derrubado por querer, não recebeste os primeiros socorros. Se não há ressentimentos, apenas incredulidade, falta ânimo e esperança.

Uma única carta nunca poderia dizer tudo o que sinto, tudo o que perdi, tudo o que ganhei e espero. Faltaria espaço e lembrança. Sempre seria necessária uma nova última carta.

Desafio – Fragmentos #1

Eu podia ver em suas pupilas atentas, ela queria morrer. Não agradeceu o favor. Certa vez ouvi alguém dizer “não importa o que faça, faça com prazer”. Este é meu trabalho agora. Gosto de matar pessoas porque me diverte ao mesmo tempo que lhes proporciono uma passagem digna. Transformei mais uma larva em borboleta e a eximi de todos os medos e sentimentos sórdidos.

Despi e limpei o cadáver. Fiquei algum tempo admirando seu corpo alvo. Nunca havia matado alguém tão bonita e tão importante. Poderia dizer que essa tenha sido minha obra prima, mas não. Ela é apenas o prólogo de um romance que não tem prazo para terminar. Compreendi meu papel neste mundo, do qual eu já não queria fazer parte. Não posso partir sem deixar o meu legado.

Brincando com arma do crime, decidi que faltava algo. Então usei a faca para escrever em suas costas “Liberdade”. Não fiquei contente. Além do que, é muito trabalhoso, não voltarei a fazer isso. Uma assinatura me deixou satisfeito. “Sº” é o lado Yin que eu quero trazer para essa sociedade que busca a luz. Afinal, o que é a razão senão fragmentos de loucura?

A vida é um jogo onde temos apenas uma chance para perder e nenhuma para ganhar. Quero ver onde eu posso chegar, quero desafiar a quem possa me superar. Meu nickname é Yinner. Vamos jogar?

#Yinner

Texto publicado originalmente na página Fragmentos de Loucura: https://t.co/X3vNSAvs

Males entendidos

Mal a viu pôde reconhecê-la. Sim, era o seu amor de juventude, 30 anos depois. Foram ao encontro um do outro e ele se atreveu primeiro:

– Lembra de mim?

Ela riu o mesmo sorriso jovial:

– Como poderia esquecer?

– Tanto tempo, não é mesmo?

– Pois é… O que fizeste neste tempo?

– Sobrevivi, trabalhei, paguei impostos – risos.

– Te casaste?

– Não e você?

– Sim, sou viúva.

– Ah… Tem filhos?

– Tenho uma filha. Está grande já, ano que vem entra na faculdade.

– Faculdade, olha! De que?

– Ela ainda não decidiu.

– Como a mãe – risos.

Risos e silêncio. Ele interrompe:

– Foi muito bom ver você, de verdade.

– Para mim também, é bom ver que está bem.

– Poderia ter sido diferente, não é mesmo?

– Poderia… – Pausa reflexiva – Se você tivesse respondido àquela mensagem em que te disse que estava confusa, que eu queria ao mesmo tempo que não queria, mas que engoliria meu orgulho uma única vez na vida apenas se você me respondesse que “sim”.

Silêncio.

– Foi mesmo muito bom te ver – diz ele e a abraça.

– Fica bem.

Ela caminha, mais uma vez, no mesmo sentido, na direção oposta. Ele contempla, mais uma vez, parado, como ela vai e como ela vai bem, sem olhar para trás. Enquanto vê seu vulto desaparecendo no horizonte ele só consegue murmurar uma coisa:

– Maldita TIM….