Sempre à espera

Pode ser as crianças, o chão de terra, a perspectiva do alto dos meus 1,30m de altura, curioso. Fito o asfalto vazio nessa manhã de feriado e sei que nunca as coisas voltarão a ser como eram, como deviam ser, porque me acostumei que fossem, porque elas simplesmente começam e acabam. O que parece não acabar é essa esperança involuntária de que algo aconteça.

E as vezes acontece, nos cachinhos de uma normalista com uns dedinhos na frente da boca para esconder só um pouco o sorriso tímido, a mão também quase oculta pela manga comprida propositadamente superposta. Acontece, vez ou outra, com um par de ouvidos atentos e semblante empolgado escutando minhas ideias, projetos, implorando, com os olhos, que a inclua.

Tenta acontecer nas promessas de um futuro tranquilo, braços sempre prontos, vigília de cuidados, que finjo acreditar para não ser rude contra tanta gentileza, enquanto livre de brita e piche. O que terá pensado a garota de voz macia que esperava uma nova entrevista? Não, não posso me apegar a essas nuvens… Costumava olhar para o céu e imaginar que estava compartilhando as mesmas constelações. Eu estava lá, eu vi tudo, vi do meu jeito, vi o que eu precisava, não o que precisava.

Ah, meu coração! Como pudera obrigar-te abandonar a janela, à espera do desnublamento? Tens que entender que isso vai acontecer, todavia, não terá os amiguinhos com pés sujos brincando de pique e, tampouco, tua astrônoma favorita d’outro lado. É que não amamos pessoas, mas o tempo que passamos com elas. Então, vamos explorar novos momentos. Sei que também tem estrelas no mar, é pra lá que eu quero ir. Me avise quando estiver pronto, só não demora muito, estou quase indo sem ti.

Com raíz

Desert-flowerAchada no mar de areia, ela não se esconde, ela se acha perdida. E acha que nunca será encontrada.  Uma linda flor do deserto, com alma fria como a noite e coração cálido como o sol que lhe castiga, decerto, sem alguém que diga “quem faz o monge não é o hábito”. Implorando que passem mais perto, tentando avisar a quem interessar possa, como quisera ter a vida de uma rosa.

Afinal, elas estão em todas! Aniversários e bodas, poemas de amor, versos de música, na cor, na boca de uma argentina charmosa, na cultura, arte e estética, na mesa de um restaurante francês, na pele de uma prostituta formosa, na cama de dois amantes, no banho de uma rainha, no jardim de uma senhora bondosa, no filme preferido de um sujeito atraente.

Mas veja que triste, minha raridade, o quão vazia pode ser sua realidade.  Da multidão do canteiro à mão do florista, cortada em botão, lançada ao breve papel de protagonista, enquanto jaz compondo uma dúzia, esquecida depois da cena, escolhida a mais bela para ser deixada seca em um livro, conquistando o coração de uma virgem para desfrute de um biltre, jogada no lixo, trocada pela nova mais bonita.

A beleza está nos olhos de quem olha. E para quem você quer ser bela? Para os muitos que queiram te comprar sem espinhos numa loja ou para os poucos valentes que se arriscariam no deserto para vê-la? Se a solidão é nosso único destino, não queira ser rosa. Seja diferente, como uma poesia escrita em prosa.

Acho que você não tá aí, mas boa noite

Você se foi tão rápido quanto chegou naquele dia de abril, tomando a iniciativa de procurar no escuro, agarrar, conquistar e proteger. Medo não combina contigo e é só o que eu vejo. Esse orgulho é uma porta que nos separa, te tranca do lado de fora da casa sombria onde vivo. Separados, livre e preso. Perigoso e desinteressado de segurança. Frio e frio. Condenada à liberdade e condenado a ser liberto de ti.

Nunca me despedi tantas vezes de alguém e cada vez eu senti que era a última vez que te via. Talvez não seja essa, mas é assim que me sinto de novo. Me acuse de qualquer coisa e eu nem me importo se sou culpado ou não. Mas não me acuse de não ter tentado honrar cada palavra que eu disse. Como tentei com o “Não vamos” que repliquei para o “dessa vez não vamos deixar nada dar errado?”!

E o que fizeste de errado? Ou o que fiz eu? O que pode separar duas almas afins? Quantas outras portas existem? Como um frisson vira de repente um silêncio? São tantas perguntas e tão poucas respostas… Pobres de nós ateus que não acham um sentido banal para a vida. Seria tão bom poder ao menos ter uma explicação, ou só um “oi” que me deste desconhecido. Pudera eu inventar uma verdade alternativa, mas não consigo. Você me entende? Se eu não sei onde errei como posso ir em frente?

A vida segue? Claro. Vai seguir de qualquer maneira e porque, diabos, essa é a melhor? Imagino o abraço, a voz, o tempo juntos e só consigo pensar em como daria tudo para ser de novo um estranho. Não vou implorar que volte, mas deixo meu lado arrumado. Preciso de tão pouco… Não leve todas as chaves consigo, não deixe seu anjo.

Escreve-me

Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d’açucenas!

Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d’oração!

“Amo-te!” Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d’amor e felicidade!

Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então… brandas… serenas…
Cinco pétalas roxas de saudade…

Florbela Espanca

Toda Carolina

São 6:00 da manhã, ela acorda, toda Carolina. Fecha os olhos, escolhe o vestido mais bonito que combina com o sapato mais bonito. Pára na frente do espelho e brinca com o cabelo. Viaja em todos os tons de vermelho. Pinta as unhas de azuis. Dança com um anjo a canção de uma sereia.

Planeja seu dia, organiza suas coisas, mentaliza suas falas. Treina o sorriso em vão, só por fazer, pois sabe que cada vez é um gesto único de fascínio. Ou de destruição. Salta da janela e voa. Em chão, caminha firme ao encontro de uma pessoa. Aperto de mão, uma frase, um ponto, uma comemoração. Uma bebida sem álcool.

Trabalho, suor, cansaço merecido. Um banho que limpa e suja de sensação de dever cumprido. Cabelo molhado molhando o braço do sofá, na mão um livro aberto no último capítulo. Fim de mais um ciclo na sua rotina de ter todos os dias distintos. Fixa as vitórias, aprende com o azar. Dá boa noite ao ar.

Abre os olhos. São 6:02 da manhã, ela se levanta, toda Carolina. Veste o uniforme. Pára na frente do espelho e penteia o cabelo. Balança o pé enquanto cantarola uma música inconsciente. Deixa a porta da frente para fazer tudo igual a todos os dias de um jeito diferente.

Popular

Se puder fazer com que minha vida se pareça a um livro ou a um filme, escolherei o primeiro. Não porque eu seja um desses cults que torcem o nariz para adaptações cinematográficas, ao contrário, vi muito mais filmes de livros do que os li. Claro que me entretive bastante com muitos deles, por volta de 120 minutos. Um tipo de pessoa que é exatamente como produções mainstream insiste em ganhar espaço: as populares. Há quem faça sucesso por ter qualidades especiais e aqui não quero medir o quão trivial seja esse predicado, nem dizer que um cientista que descobre a cura para uma grave doença deveria ser mais aplaudido que uma boa cantora.

Estou falando dos populares de redes sociais, escolas ou comunidades e sobre o que leva alguém a querer ser o centro das atenções para pessoas tão ou mais patéticas do que ele. Como não tem nada especial a oferecer, elas criam uma imagem atrativa, entretanto, dificilmente conseguem manter um público fiel. Quando não viram motivos de chacota, comparável à “A lagoa azul”, apenas caem no esquecimento após cansar-se de mendigar que sejam apreciadas pelo que parecem ser, por quem nem se importa de verdade. Dormem contando as curtidas, seguidores, planejando como ganhará mais visibilidade, enquanto fantasiam ser desejadas por outras que também só querem ampliar seu contador pessoal. É evidente que um filme pode ser tão bom que mereça ser repetido, mas sempre é esquecido na estante.

Essa atitude na Internet é a mesma em escolas e na sociedade em geral, apenas ampliada pelo poder do semianonimato, manipulação da verdade, Photoshop. Outro método muito utilizado, sobretudo, no colégio, é formar grupos com colegas cuja união passa longe de ser uma amizade, mas uma empatia de inseguranças, covardias e falta de personalidade. Mexeu com um, mexeu com todos, só porque é mais seguro assim. Proteção e popularidade que se distanciam da auto-estima justamente pela consciência de que não são merecedores de fato, mas por conquista forçada. É um comportamento normalmente autodestrutivo.

Por isso mesmo, as pessoas populares, embora muitas vezes pareça o contrário, quase nunca conseguem alcançar o seu objetivo real, que é serem amadas. Laços afetivos não são construídos com pressa e essa talvez seja a maior de sua ingenuidade. Não me parece inteligente perder tempo para agradar a quem não devemos nada e, ao mesmo tempo, descuidar de quem quer ser uma personagem importante em nossas páginas. Um filme leva uma história sintetizada para uma massa superficial. Um livro é mais denso e para pouca gente. Pode até ser agoniante ver que obras literárias não chegam a fazer o sucesso estrondoso de algumas películas, mas, pense, um livro muitas vezes vira filme, dificilmente um filme viraria livro. É aí que está a graça.

Entre mim e você

Estávamos num sofá, assistindo TV, a pequena brincando no chão e nós discutindo quem deveria sair do BBB. Eu adoro essa cara de brava que faz quando discordam de você e as vezes discordo só para ver. Sem medo do perigo e nem tenho um porquê ter. A sala se transforma num salão, te levantas e me puxa, faz soar um música e o mundo inteiro é um cômodo branco com janelas grandes, um céu infinito e teu sorriso.

Te olho os olhos, enquanto dança forró em volta de um eu quase estático. E, como não aguento seu embalo, te embalo nos meus braços e nos perdemos num abraço eterno de um minuto. Um silêncio que corta do nada para dizer tudo. Não me acha mais idiota, nem grita, é um doce. Desperto, um até logo que poderia ser menos precoce.

Um sonho que não faria mal algum em ser realidade. Momentos simples, complexa felicidade. Um café que fosse gostoso para todos, um pouco de fé, um monte de biscoitos. Comida que não engordasse. Há coisas entre mim e você que ninguém vai entender, muito menos a gente. Talvez quando sejamos velhos jovens e deixemos de ser jovens velhos. Quando todas as encruzilhadas já tiverem placas. Só nós, sem pessoas, sem espelhos.

Pedaços

O tempo é um grande escultor que usa nossas vidas. Nascemos uma coisa mais ou menos parecida com um  bloco de matéria essencial e cada indivíduo que mistura seu caminho ao nosso tira ou deixa algum pedaço em nós. Começando pela educação doméstica, passando pela escola, amigos e colegas, ídolos, pessoa que te pergunta as horas na praia e agradece com um sorriso e por aí vai, nossa obra de arte vai ganhando personalidade diferente daquele projeto de paralelepípedo inicial.

E como arte, não responde se é bonita ou feia, certa ou errada. Somos um pouco de nós e muito do que fizeram de nós. Algumas pessoas, entretanto, levam um pedaço muito grande da nossa matéria essencial. Tão grande que as vezes perdemos o brilho. Meu pedaço está andando por aí, não sei aonde, não sei como. Nos resta aprender a viver com esse buraco que pode ou não ser preenchido, jamais com sua essência, que foi levada.

Alguém sem pernas pode ter próteses ou não e viver muito bem sem elas. Mas ainda assim, será uma pessoa sem pernas. Esse pedaço que nos levam nunca mais será nosso. Isso não quer dizer que não podemos ser felizes, ao contrário, é uma das razões que nos tornam únicos. Não somos incompletos, apenas mudamos. E com pedacinhos se quebrando e se cravando a dor é quase que inevitável. Me arrisco a dizer que quem nunca sentiu um vazio talvez não tenha tido uma grande felicidade ainda e quem se esconde da dor está perdendo a chance de virar uma obra prima.

Tento guardar cada partícula que me deixaram. Contudo, nem sempre ficam com o que nos levaram e, por vezes, permitem que partes nossas se tornem inúteis. Tomara eu não ver algum dia meus pedaços no lixo ou machucando alguém. Quero crer que eles fazem parte de peças valiosas. Espero que a dona da minha maior porção de matéria perdida a mantenha, seja feliz com ela e, talvez um dia, eu poderei rever a criação do tempo e expressar com admiração: magnífica!